Mesma filosofia de construção também foi adotada pela Whirlpool, que baixou em 77% o tempo gasto entre o pedido do cliente e a entrega do produto

Como a BMW diminuiu os custos da fábrica de Araquari pela metade e reduziu o prazo da obra Arte sobre fotos de Maiara Bersch e Rodrigo Philipps/Agência RBS

Obra deveria ficar pronta em um ano, mas foi concluída em dez meses

No fim de junho, profissionais de todo o Brasil se reuniram na sede da UniSociesc, em Joinville, para conhecer como algumas empresas conseguiram aumentar a produtividade, reduzir custos e elevar a qualidade do que fazem – um feito que todos querem aprender nestes tempos em que as organizações tentam se adaptar ao cenário econômico e manter o negócio rentável. Volvo, Weg, BRF, Whirlpool e BMW foram algumas das empresas presentes ao 12º Fórum Nacional de Lean.

Pela riqueza de detalhes e informações estratégicas, algumas apresentações foram fechadas para a imprensa. Mas Negócios & Cia. conversou com os representantes da BMW e da Whirlpool para descobrir como a montadora alemã conseguiu acelerar as obras e erguer a fábrica de Araquari com a metade do valor previsto e como a fabricante de eletrodomésticos reduziu em 77% o tempo decorrido entre a solicitação do cliente e a entrega do produto.

Fábrica com custos pela metade

O modelo de construção utilizado pela BMW na fábrica de Araquari servirá de padrão para todas as unidades da montadora alemã no mundo. Em Santa Catarina, a montadora aplicou, pela primeira vez, uma filosofia pouco conhecida na construção civil, embora bem familiar em grandes indústrias: o Lean Thinking.

O gerente da BMW responsável pelo planejamento e construção da planta brasileira, o alemão Georg Zeller, conta que o Lean tornou possível construir a fábrica de maneira mais rápida do que o previsto, além de reduzir pela metade os custos, que totalizaram 200 milhões de euros (cerca de R$ 700 milhões na cotação atual).

O projeto inicial da BMW previa um ano de obras, mas a fábrica ficou pronta em dez meses, explica a Perville, construtura escolhida para executar a obra. O segredo foi a decisão da montadora de implantar a filosofia Lean antes de qualquer ação. Para entrar no mercado brasileiro, Zeller diz que a BMW viu que teria o desafio de construir com a metade do custo de outras fábricas. Isto implicaria uma execução rápida, de alta qualidade e de baixo custo.

Antes mesmo de assinar o contrato, a equipe da montadora participou de um treinamento sobre a aplicação do Lean na construção civil (Lean Construction) com a consultoria da Porsche na Alemanha. Em seguida, contratou a consultoria da Porsche do Brasil para realizar três dias de treinamento com todos os parceiros e fornecedores mais importantes envolvidos com a fábrica de Araquari. Os brasileiros representaram 90% da equipe da obra.

— A principal mudança foi integrar a construtora  muito mais no processo de planejamento e no cronograma do que a gente faz normalmente — afirma Zeller.

No canteiro de obras, o trabalho se caracterizou pela eliminação de atividades que não agregavam valor, industrialização do processo, redução do tempo do ciclo, simplificação e maior transparência nas ações. As empresas especializadas que participaram da construção foram submetidas a indicadores e auditorias, garantindo rígido controle.

O uso de ferramentas para tornar mais visual a gestão da obra, como o andon, também fez parte do projeto. O sistema é bem conhecido daqueles que aplicam o Lean. De fácil visualização, emite sinal sonoro e visual para alertar operadores em caso de falhas.

Para aumentar a produtividade, foram usados pallets, que facilitaram o transporte dentro da obra. O tapume foi substituído pela cerca para que fosse possível enxergar tudo o que acontecia através dela.

A fase de planejamento teve papel crucial para se conseguir velocidade na execução. O prédio foi dividido em áreas semelhantes. Foram criadas rotinas, uma espécie de script para os serviços ligados a elas. Segundo Zeller, a cultura da confiança também foi uma importante aliada para sair do estágio de construção artesanal para o modelo de construção enxuta.

Velocidade para inovar

A Whirlpool implantou a filosofia japonesa em 2003. Desde então, explica o gerente corporativo de Lean e Manufatura Avançada, André Libio da Silva, a empresa reduziu em torno de 77% o tempo despendido entre a solicitação do cliente até a entrega do produto. O número de reclamações de consumidores no campo caiu mais de 44%. Houve melhorias também em produtividade, 5S e outros indicadores importantes para a companhia.

— São ganhos significativos ao longo do tempo e que nos tornam mais competitivos — afirma Silva.

A fabricante de eletrodomésticos viu-se diante da necessidade de inovar com rapidez para ter velocidade no tempo de resposta às mudanças do mercado, e percebeu que quanto maior o tempo de desenvolvimento, maior o custo. Dentro desse contexto, a companhia decidiu adotar o Lean Manufacturing. Não se trata de uma cópia, diz o gerente, mas uma adaptação para o negócio.

Um dos principais objetivos é fazer certo da primeira vez. Por esta razão, os profissionais são treinados para agir na solução das falhas, com foco na causa-raiz.

— Quanto mais distante da origem, mais custoso será tratar um problema — diz o gerente.

Há dispositivos à prova de erro, que interrompem o funcionamento diante de uma falha. A empresa investiu no trabalho padronizado, no controle de processos para reduzir a variação, na capacitação de profissionais, nas auditorias mensais e na certificação dos processos.

Para Silva, o desafio é a mudança de cultura para envolver as pessoas em todos os níveis da organização.

— É preciso entender o problema, ir o tempo inteiro para o chão de fábrica, perguntar sempre o porquê para entender a causa-raiz e tentar resolver o mais rápido possível. E o ponto-chave é envolver as pessoas e treiná-las. Sem isso, o Lean não terá evolução adequada.

O que é Lean Thinking

Lean Thinking (ou mentalidade enxuta) é uma filosofia e estratégia de negócios para aumentar a satisfação dos clientes por meio da melhor utilização dos recursos.

A gestão Lean procura fornecer, de forma consistente, valor aos clientes com os custos mais baixos (propósito), identificando e sustentando melhorias nos fluxos de valor primário e secundário (processos) por meio do envolvimento das pessoas qualificadas, motivadas e com iniciativa (pessoas).

O foco da implementação deve estar nas reais necessidades dos negócios e não na simples aplicação das ferramentas Lean.

“Não existe nada hoje que passe na frente”

Lean e Kaizen referem-se à filosofia e à aplicação do Sistema Toyota de Produção, desenvolvido no pós-guerra. Década após década, empresas de todo o mundo continuam adaptando a filosofia japonesa para aumentar a produtividade e a eficiência e reduzir desperdícios. Nesta entrevista, o diretor de operações do Instituto Kaizen no Brasil, Daniel Simões, revela de que forma ela pode ajudar as organizações no atual cenário econômico brasileiro.

Negócios & Cia. – A sociedade mudou muito desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Os princípios do Kaizen permanecem atuais?
Daniel Simões –
O Kaizen continua muito atual e junto dele há outras ferramentas, como o conceito de automação de baixo custo. Ele vai incorporando metodologias em conjunto. O apoio de sistemas digitais, por exemplo, vai bem quando feito com simplicidade. O Kaizen é a filosofia de mudar para melhor. Não existe nada hoje que passe na frente, é difícil haver algo muito novo para substituí-lo. A metodologia evoluiu muito nestes 50 anos. Começou na manufatura, em células de montagem e em processos específicos da indústria automobilística. A grande evolução ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, quando chegou aos fornecedores da Toyota e começou a ser conhecida pelo mundo. Na década de 1990, alguns outros setores começaram a se aventurar fora da indústria automobilística, evoluindo para áreas de logística, vendas, compras e depois serviços, saúde e construção civil. Houve uma evolução global, saindo do Japão e dos Estados Unidos. Houve uma avanço de metodologia para muitos setores. Como ferramenta, ela melhorou pela prática.

N&C – Que resultados o Kaizen tem apresentado em momentos de retração econômica?
Simões –
Passei pela crise de 2008 e 2009 na Europa e pela crise de 2011 na Península Ibérica. As empresas investiram na redução de custos e de nível de estoque, na melhoria da produtividade, qualidade e nível de serviço. Em um momento de crise, é preciso ficar muito claro que você não está gastando dinheiro à toa. Empresas da Espanha e Portugal, com nível de maturidade mais alto, decidiram investir no Kaizen e colheram benefícios muito grandes não só durante a crise, quando se adaptaram à estrutura econômica. Neste momento em que elas começam a sair da crise, estão melhores do que as outras, têm mais agilidade e flexibilidade porque investiram em desenvolvimento de produto, em deixar a fábrica mais flexível,  com custos muito mais baixos. Tornaram-se mais competitivas. O  momento é de retração de demanda e é também a hora de arrumar a casa, capacitar os funcionários e manter no quadro de funcionários as pessoas que realmente estão motivadas a continuar no negócio.

N&C – Quando implantado pela primeira vez,  o Kaizen pode levar a que resultados?
Simões –
Para você entrar numa jornada de Kaizen,  não pode querer nada menos do que dois dígitos, que começam com melhoria de produtividade de 30% a 40%, redução de estoque de 50% e melhoria do nível de serviço de 30% a 40%. O Kaizen tem outro paradigma. Não estamos indo buscar 5% ou 7%. Grandes multinacionais conseguem esse resultado, e empresas que estão em outros estágios podem conseguir muito mais.

As práticas envolvem a criação de fluxos contínuos e sistemas puxados – baseados na demanda real dos clientes –, a análise e melhoria do fluxo de valor das plantas e da cadeia completa – desde as matérias-primas até os produtos acabados – e o desenvolvimento de produtos que efetivamente sejam soluções do ponto de vista do cliente.

Fonte: Como a BMW diminuiu os custos da fábrica de Araquari pela metade e reduziu o prazo da obra – A Notícia

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