Queda no faturamento faz rede de restaurante investir para exportar.
Especialistas, no entanto, alertam empreendedores sobre a iniciativa.
Em meio à recessão da economia brasileira, que registrou seu sexto trimestre seguido de queda, empresas nacionais estão vendo – com carinho – no exterior uma chance de continuar faturando sem depender do mercado interno, saturado diante das altas taxas de desemprego e da crescente queda do poder de compra dos consumidores.
Depois de ver suas vendas caírem e seu faturamento minguar mais de 20% de um ano para o outro, o empresário Fernando Perri, dono da rede Vivenda do Camarão, começou a diversificar suas receitas e levou seus restaurantes para Portugal.
“Estamos fazendo projetos para driblar a crise interna de interna. Houve uma queda generalizada do consumo, com inflação e desemprego. É uma crise muito intensa e prolongada. Por mais que a gente faça promoções, marketing… o brasileiro está no limite do consumo. A crise tirou dinheiro do mercado. Nos últimos meses, minimizou, mas continua caindo.”
Para internacionalizar seu negócio, cuja previsão é chegar a outros países europeus no próximo ano, foram investidos US$ 2 milhões na adaptação da linha de produção – uma exigência dos órgãos de saúde e vigilância sanitária do exterior para que os produtos possam ser vendidos legalmente.
Segundo Perri, todos os restaurantes têm o mesmo visual do encontrado no Brasil, bem como os mesmos pratos. Tirando o nome, que mudou para “Shrimp House”, o empresário garante que o sabor é o mesmo, já que todos os restaurantes são abastecidos pela importação das refeições prontas.
Os planos de expansão também incluem a Ásia, mais especificamente a China, que despertou interesse pelo “poder aquisitivo até 20 vezes maior do que o dos consumidores brasileiros”. “Estamos fechando parceria com a China. Só de expandir lá dentro, já ficamos muitos felizes. Ainda deve ser inaugurada neste ano”, disse. Nesse caso, segundo o empresário, os sabores dos pratos terão de ser adaptados à culinária asiática.
Para Thierry Barrat, especialista em comércio exterior, a própria saturação do mercado brasileiro também é um dos motivos pela busca por novos horizontes. “Creio que o motivo principal é a mudança de mentalidade do empresário brasileiro, vendo a concorrência como global e não mais apenas local e principalmente, vendo o sucesso de algumas marcas fora”, disse Barrat, que também é CEO da empresa de consultoria Akangatu Internacional.
Ainda que as vendas não tenham sido afetadas pela crise, algumas empresas optam pela internacionalização como uma saída para não depender das oscilações do mercado interno.
A confeitaria paulista Ofner, por exemplo, tem planos de chegar a Nova York em 2018. Os primeiros passos da marca serão a exportação de panetones e o desenvolvimento de parcerias com chefs internacionais.
“Com a receita apoiada em diferentes economias, os riscos são minimizados em momentos adversos. Além disso, temos parte dos nossos custos atuais em dólares. Importamos matérias-primas e embalagens. A internacionalização também é um mecanismo para equilibrarmos a flutuação do câmbio”, disse Mário Costa Junior, diretor-executivo da marca.
A estratégia de internacionalização da marca começará pelos Estados Unidos. Neste ano, a meta da rede é analisar a reação do consumidor estrangeiro à receita brasileira e à marca do produto. “Em 2017, o plano é estender as exportações para outras categorias-ícones da Ofner. Com o mix difundido e consolidado, estaremos prontos para abertura da primeira loja internacional da Ofner em 2018”, afirmou.
Segundo o diretor da rede de confeitarias, o foco da empresa será em cidades como Boston, Miami, Orlando e Los Angeles, porque concentram grande quantidade de brasileiros. “Muito em breve, nossa coxinha, pão de queijo e brigadeiro também estarão à disposição destes clientes”, disse o executivo.
Outra empresa que está em processo de expansão internacional – nesse caso mesmo antes da crise – é a rede Nutty Bavarian, especializada em grãos torrados e glaceados. Neste ano, a empresa afirma que vai inaugurar mais três unidades nos Estados Unidos.
De acordo Daniel Miglorancia, diretor da empresa e responsável pelo projeto de internacionalização, há planos para o futuro de franquear a marca para brasileiros que moram nos Estados Unidos e pensam em abrir um negócio próprio.
Em 2015, de acordo com dados mais recentes do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior, empresas de médio porte venderam para fora do país o volume de US$ 8,427 bilhões. Enquanto isso, as pequenas chegaram a exportar R$ 1,8 bilhão e as grandes, US$ 180 bilhões.
Você está preparado?
A procura de empresários por mercados fora do país vem aumentando a cada ano, principalmente nos últimos meses, segundo o Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). O número de acessos à ferramenta de diagnóstico que avalia o que falta para o empresário internacionalizar seu negócio, oferecida pelo Sebrae, aumentou 80% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano anterior.
“Falar de internacionalização há quatro anos seria quase chamar o empresário de louco, sair de um mercado interno aquecido…mas hoje vemos isso com bons olhos, é preciso diversificar os investimentos, a ‘cesta de ovos’”, disse o gerente do Sebrae São Paulo Gustavo Marques.
A valorização do dólar em relação ao real também estimula o empreendedor a mirar em outros países, mas, conforme alerta o especialista, essa tendência tem de ser vista como oportunidade de negócio, não como o fator decisivo para quem quer ir para o exterior.
Cautela
A internacionalização de empresas já pode ser considerada uma tendência, na avaliação dos especialistas, no entanto, a iniciativa nem sempre é uma certeza de sucesso. “Creio que veremos muitas marcas brasileiras desbravando mercados mundo afora, mas isso não significa que terão sucesso. Entrar em um mercado novo requer muito estudo, muita cautela e, principalmente, bons parceiros locais que possam ajudar no desenvolvimento dos negócios”, alertou Thierry Barrat.
Entre os motivos que podem levar a empreitada ao fracasso, Barrat cita a falta de conhecimento do mercado local. “Conhecer bem o mercado é fundamental e, por esse motivo, muitos empresários focam em ter um sócio que entenda bem do mercado ou algum fraqueado máster já com experiência naquele mercado.
Apesar dos entraves, o especialista lembra da questão legal, que pode beneficiar o empreendedor. “Muitos países já possuem leis bem claras para a regulamentação de franquias e em muitos casos essa lei protege muito o franqueado que acaba tendo garantias do retorno do investimento para determinado negócio, como nos EUA por exemplo que garante indenização caso o franqueado não atinja o faturamento esperado. Esse tipo de regulação em mercados já maduros facilita bastante o fluxo de negócios tornando o ambiente favorável.”
Fonte: G1