EXAME.com entrevistou cinco empreendedores que adquiriram mais franquias em plena crise – e não enlouqueceram no processo.
Administrar um negócio não é nada fácil – mesmo que ele conte com o suporte de outro empreendedor, como ocorre nas franquias. Os últimos anos, marcados pela recessão econômica, só dificultaram essa tarefa.
Mas, para algumas pessoas, a crise não impediu a expansão dos negócios. É o caso, por exemplo, dos multifranqueados: empreendedores que cuidam não só de uma unidade franqueada, mas de várias – sejam elas da mesma rede ou de redes diferentes.
Nas redes que possuem franqueados com mais de uma unidade, eles representam hoje 14% do total de empreendedores associados. Estranhamente, tal porcentagem cresceu justamente nos últimos três anos, marcados pela recessão econômica.
A primeira razão desse crescimento se deve à própria expansão do mercado de franchising brasileiro, explica Altino Cristofoletti Jr., presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF).
“Para ampliar ou agilizar sua expansão, as redes começaram a passar mais e mais unidades para a administração de um mesmo franqueado bem sucedido. Não são poucas as redes que priorizam a expansão entre seus presentes franqueados antes de ir ao mercado de forma geral”, afirma.
“Também contribuíram com este movimento o intercâmbio com mercados onde o multifranqueamento é comum, como os EUA, e o surgimento de empreendedores que já chegam às redes com a mentalidade de administrar várias unidades ao mesmo tempo.”
Mas como, na prática, esses empreendedores conseguem gerir tantas franquias simultaneamente? Para descobrir as técnicas de gestão mais usadas, EXAME.com conversou com cinco multifranqueados. Todos adquiriram ao menos uma unidade nos últimos anos.
Confira, a seguir, as dicas que cada um desses empreendedores daria para quem também quer ser dono de várias franquias:
1. Procure conhecer de antemão o mercado no qual você entrará
Na hora procurar uma franquia, o empreendedor Giovane Fischborn levou em consideração suas experiências anteriores: ele já havia trabalhado em modelagem e venda de calçados e, por isso, abriu uma unidade franqueada no ramo, da rede Jorge Bischoff.
No começo, foi preciso amadurecer a loja e tornar a marca conhecida em Brasília, onde Fischborn mora. O retorno do investimento veio em um ano e meio. Em função do desempenho desse primeiro negócio, o empreendedor abriu novas unidades da marca de sapatos.
Após sete anos como franqueado, Fischborn acumulou seis lojas da Jorge Bischoff: quatro em Brasília e duas em Goiânia.
Como conselho para quem também quer entrar na vida de multifranqueado, o empreendedor recomenda adquirir conhecimento da sua futura área de atuação.
“Você precisa ter um conhecimento básico do mercado – se você não o obteve antes de abrir a franquia, busque aprender o mais rápido possível. Isso aumentará suas chances de ter bons negócios, já que a experiência gera a decisão por estratégias corretas.”
2. Invista em bons funcionários
A história de Marcelo Ribeiro com as franquias é antiga: ele abriu sua primeira franquia, da All Pé, em 1999.
“Eu trabalhava com meu pai, que era distribuidor de cerveja em Natal [Rio Grande do Norte], mas o negócio dele foi decaindo e buscamos novas oportunidades. Então, fui morar em Campina Grande [Paraíba] e abri essa loja em um shopping que havia acabado de inaugurar”, explica o franqueado.
De lá para cá, Ribeiro foi colecionando uma série de franquias diferentes. Ele possui nove unidades franqueadas de marcas como All Pé, Balonè, Ellus, Feet Shoes, Malwee Kids, Morana, Pato Roupas e Puket.
Uma técnica usada pelo empreendedor para conseguir administrar tantas franquias ao mesmo tempo é contratar gente qualificada – e, então, delegar as tarefas operacionais.
“Arrumar funcionários é mais difícil quando você é multifranqueado em marcas distintas, porque você precisa administrar não só mais pessoas, mas também em negócios com diferentes metas e diferentes operações”, explica.
“Você tem de procurar funcionários que tenham capacidade de liderança, para resolver os problemas menores de cada franquia. Afinal, você não consegue estar em todos os negócios ao mesmo tempo.”
No caso de Ribeiro, houve a criação de um escritório, com quatro funcionários, para cuidarem da gestão básica de finanças e recursos humanos das nove unidades franqueadas. “Eles trabalham diretamente comigo e me passam, todos os dias, as informações de cada loja. Com isso, posso analisar aspectos como compra de estoque e fluxo de caixa sem gastar tanto tempo na coleta de dados.”
3. Faça um bom planejamento e corte as reuniões redundantes
A empreendedora Sedilha Novais abriu uma unidade franqueada da rede de idiomas CNA após ter tido experiências tanto como aluna quanto como professora no negócio. Ela se formou em uma escola da CNA e passou seis anos lecionando. Até que a ideia de ter sua própria unidade falou mais alto.
“Era um sonho de adolescente ter uma escola de idiomas. Como eu já conhecia a marca, fomos direto fazer uma reunião com a franqueadora”, explica Sedilha. Ela primeiro tentou administrar franquias junto aos parentes, mas a incompatibilidade de ideias a fez virar uma franqueada de carreira solo.
A empreendedora abriu sua primeira unidade franqueada própria em 2007, ao assumir uma escola da CNA que havia quebrado por problemas administrativos, em Osasco (São Paulo).
Com o bom resultado da primeira unidade, ela decidiu expandir menos de dois anos depois. Abriu uma segunda unidade, em Alphaville (São Paulo), no ano de 2011. Cerca de 80% do valor investido veio dos resultados da primeira escola.
Hoje, Sedilha gere quatro franquias da CNA: três em Osasco e uma em Alphaville. Para conseguir ser multifranqueada, ela conta que tem uma agenda muito organizada e sem redundâncias.
“Antes, fazia reuniões separadas com os coordenadores pedagógicos de cada escola. Percebi como é importante trazer todos os líderes em uma reunião única. Além de poupar tempo, surgem novas ideias e conseguimos ter um projeto mais bem elaborado. Esse mesmo esquema é aplicado nos departamentos administrativo, comercial e financeiro”, afirma.
Mas não basta planejar: é preciso acompanhar o que foi decidido. Sedilha conta que passa um dia da semana em cada unidade, sendo que o quinto dia útil é variável. “Com os dias fixos, as pessoas sabem onde me achar e é possível marcar novas reuniões, mais pontuais.”
4. Os programas de controle e gestão são seus melhores amigos
Anderson Mota trabalhava em uma multinacional, como coordenador de logística. Mas, como grande parte da população, tinha o sonho de abrir um negócio. Viu uma oportunidade quando sua namorada (hoje esposa) trabalhou em uma loja piloto da franquia Sóbrancelhas – e falou bem do empreendimento.
“Eu vi um potencial grande no mercado de beleza e estética. Ao mesmo tempo, estava cansado e descontente com meu trabalho. Fiquei onze anos na mesma carreira. Então, decidi arriscar”, explica Mota. Por isso, em agosto de 2014, abriu sua primeira unidade da franquia de embelezamento do olhar.
A primeira loja teve o retorno do investimento em cinco meses, antes do esperado. Então, Mota decidiu reaplicar o investimento em novas unidades. Hoje possui quatro franquias da Sóbrancelhas: uma em Jacareí (São Paulo), duas em Bauru (São Paulo) e uma em Goiânia (Goiás).
Para lidar com a gestão de várias unidades, Mota recomenda unir acompanhamento presencial e digital. Para quem abriu unidades em regiões que não permitem visitação frequente, o uso de softwares ajuda bastante.
“É interessante primeiro passar uns meses na unidade, entendendo qual o potencial de faturamento. Depois, deixamos um gerente em cada franquia e fazemos uma mistura de acompanhamento físico e online”, explica Mota.
O atendimento digital é diário e composto por vigilância por câmeras de segurança, reuniões por Skype e softwares de gerenciamento de equipe e de resultados financeiros.
“Acompanhar seus dados é fundamental. Temos um sistema que consegue apontar o rendimento de cada funcionário individualmente – quais produtos ou serviços ele vende e qual o ticket médio dos seus clientes, por exemplo.”
5. Está sempre de um lado para outro? Faça uso dos apps
O trabalho do engenheiro civil Bruno Saraiva consistia, basicamente, em resolver pepinos: ele gerenciava aluguéis e reformas de imóveis, atendendo os pedidos dos inquilinos. Até que, com mais de 50 anos de idade, foi demitido.
“Era difícil me recolocar no mercado de trabalho tendo essa idade. O aspecto formatado da franquia me deu uma segurança a mais, ainda que nenhum negócio seja garantido. Depois de um atendimento no Sebrae, comecei a pesquisar negócios para investir”, explica Saraiva.
Em junho de 2015, Saraiva abriu sua primeira unidade franqueada da Elefante Verde, uma rede de marketing digital que atende pequenos empresários. O franqueado compra microrregiões da cidade e faz um levantamento de campo: apresenta-se, entrega panfletos, fala com empresários e oferece um curso de marketing digital gratuito, como estratégia da própria franqueadora.
O empreendedor começou atendendo duas regiões de Recife (Pernambuco): Centro e Noroeste. Em novembro do mesmo ano, adquiriu também a prestação de serviços para a região Sul do município.
Com três unidades franqueadas, porém, o acompanhamento presencial ficou mais complicado. Para ajudar nessa tarefa, Saraiva faz uso de aplicativos como Agendor, Evernote e Google Agenda. Sem eles, a rotina dividida entre escritório e contatos presenciais seria impossível.
“Com eles, eu consigo organizar tanto minhas ideias quanto informações sobre o negócio, além de poder conversar com minha equipe enquanto estou em trabalho de campo. É fundamental que eu tenha uma forma fácil de acessar o que foi feito no escritório, como a prospecção de leads [clientes potenciais], por exemplo”.
Multifranquear é para você?
Para ser multifranqueado, a palavra de ordem é experiência. Ela é fundamental tanto para aproveitar os prós quanto para evitar possíveis contras ao lidar com tantos negócios.
O ganho mais imediato ao se tornar um multifranqueado é o de escala: é mais fácil negociar com fornecedores, comprar produtos e serviços, treinar a mão de obra e realizar ações promocionais quando você possui uma história comprovada no franchising.
Porém, é preciso preparar-se muito bem: o aumento do fluxo financeiro pode ser uma pedra no sapato de quem não sabe controlar bem as contas empresariais. “Mais unidades demandam um maior fluxo de caixa, de forma que o empreendedor já deve ter um lastro financeiro mais desenvolvido”, explica Cristofoletti Jr., da ABF.
Como já foi ressaltado pelos multifranqueados entrevistados, a delegação de tarefas deve estar bem desenvolvida. “O empresário, dificilmente, conseguirá ter a mesma presença de antes. Por mais que o empreendedor continue na supervisão, a equipe deverá assumir o papel de gerir algumas tarefas”, conclui.
O presidente da associação destaca também a situação de empreendedores como Marcelo Ribeiro: os multi-bandeira, que possuem unidades de marcas diferentes.
“Eles aproveitam o fluxo de consumidores para mais de uma marcas para as quais operam, potencializando toda a operação por meio de complementaridade das franquias. Mas, por mais que haja sinergias, o franqueado deve ter cuidado para não misturar ou desvirtuar a identidade das marcas com as quais opera.”
Além disso, o conhecimento adquirido da franqueadora pode ser aplicado aos outros negócios franqueados, diluindo riscos ao empreender. “Em última instância, o empresário aumenta seus lucros e fluxo financeiro, o que facilita também o acesso a crédito”, afirma o presidente da associação.
Estratégias das franqueadoras
EXAME.com conversou também com algumas das franqueadoras associadas aos empreendedores entrevistados para descobrir se as redes usam algum tipo de estratégia para estimular o multifranqueamento. E todos os planos envolvem facilidades financeiras a quem quer expandir dentro da marca.
Na CNA, por exemplo, 60% dos franqueados possuem mais de uma escola. “A rede oferece linha de crédito especial, que inclui taxa de franquia reduzida, pagamento parcelado e a possibilidade de reverter parte do valor investido em produtos e serviços para escola”, afirma José Carlos de Souza, diretor de Operação e Expansão do CNA.
“Quando se tem mais de uma operação há maior sinergia, pois é possível otimizar os trabalhos. Por exemplo: em uma unidade é possível concentrar toda a parte administrativa para as duas escolas. Isso otimiza recursos, tempo e energia do franqueado”, completa o diretor. “A vantagem para a franqueadora é que o franqueado já conhece a marca e sabemos qual sua capacidade gerencial.”
Já na Sóbrancelhas, 40% dos franqueados são multi. A rede informa que trabalha concedendo desconto no valor da taxa de franquia para esse tipo de franqueado, reduzindo o investimento de implantação do novo negócio.
“Além disso, buscamos parcerias financeiras para proporcionar ao franqueado uma opção de crédito que o estimule a investir sem o comprometimento de capital próprio”, informa Luzia Costa, fundadora da Sóbrancelhas.
No Bischoff Group, 25% dos franqueados possuem mais de uma unidade – seja da rede Jorge Bischoff ou de outras marcas. Adriane Lopes, Diretora de Gestão de Lojas e Expansão do Bischoff Group, diz que a marca “dispõe para estes investidores alguns incentivos financeiros.”
Por fim, na rede Elefante Verde, por volta de 10% dos franqueados possuem mais de uma unidade. “Antes de vender um território, oferecemos esse contrato ao franqueado que já possui uma franquia próxima regionalmente. Além disso, facilitamos o pagamento dessa nova unidade”, diz Caio Sigaki, CEO da Elefante Verde.
“Com certeza estimulamos o multifranqueamento: são franqueados com bagagem, que irão gerar melhores resultados e mais rapidamente do que um novo franqueado. Outro ponto importante é que a gestão da rede fica mais simples, ao ter menos franqueados.”
Fonte: Exame