Paulo Camargo, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados, operadora do McDonald’s
OMcDonald’s não é mais aquele. Estão saindo de cena frases como a célebre “fritas acompanha?” e as linhas de produção de sanduíches. A meta agora é um atendimento mais humano e menos robotizado, além de um cardápio redesenhado para enfrentar as hamburguerias gourmet.
O arquiteto dessa mudança é um sorridente executivo de 50 anos. Paulo Camargo, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados, operadora da marca, tem um desafio imenso, proporcional ao tamanho da operação brasileira: 50 mil funcionários, 2 milhões de clientes diários, 950 lojas e 1,5 mil quiosques.
Tudo isso deverá se transformar para atingir seu objetivo: “Deixarmos de ser uma empresa centrada em processos para nos tornarmos uma empresa centrada no cliente”. Conheça o novo McDonald’s.
Você está implantando a chamada “cooltura” de serviços. O que é esse conceito?
O McDonald’s revolucionou o varejo mundial de alimentação, usando sistemas tayloristas e fordistas [técnicas de produção criadas pelos empresários Frederick Taylor e Henry Ford, associadas à fabricação em massa]. O processo de produção do Big Mac, por exemplo, foi desenhado para levar 38 segundos, o que implica uma linha de produção, algo repetitivo e robótico. Nosso processo de atendimento também não era nada personalizado. O funcionário repetia para todo mundo um conjunto de palavras, como “fritas acompanha?”.
Percebemos que isso, se antes era uma fortaleza do McDonald’s, havia se tornado alvo de críticas de uma nova geração de clientes que espera muito de nós. Fazemos mais de 1 milhão de pesquisas quantitativas por ano no Brasil para entender esse personagem que chamo de Sr. Cliente. Um dos resultados é que as pessoas diziam que gostavam de nós, mas sentiam que a relação não era pessoal.
A “cooltura” de serviços nasce disso. Brincamos com o cool, que significa legal em inglês, porque é legal mesmo você ser atendido do seu jeitão. Você é mais desencanado? Ou é mais sério? Pois é desse jeito que você será atendido. Quem gosta de abraço, vai ganhar um abraço da equipe. O segredo é ser você mesmo. Queremos que essa relação seja algo natural, autêntico.
Como treinar alguém para ser espontâneo?
Nós somos um negócio de gente, de pessoas. Não tem como fazer a transformação sem explicar a importância desse processo para as 50 mil pessoas do lado de dentro do balcão, que servem aos 2 milhões de clientes que passam por dia nos nossos restaurantes.
Deixa eu te mostrar uma coisa (abre um notebook e exibe um clipe musical protagonizado por funcionários): minha área de treinamento disse que precisava de seis meses para a preparação da “cooltura”. Eu disse “não temos seis meses”. Chamamos os próprios funcionários, explicamos o problema, perguntamos o que podíamos fazer e pronto: em 48 horas, eles mesmos fizeram coisas como esse clipe.
Paulo Camargo, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados, operadora da marca McDonald’s
O envolvimento dos funcionários se reflete nos resultados da empresa. Hoje, o turnover é metade do que era há quatro anos. O absenteísmo caiu a um terço. O que chamamos de Top Box — o índice de clientes que se dizem muito satisfeitos — melhorou 16 pontos percentuais. No caso da Arcos Dorados Brasil, em 2016 registramos um Ebitda [lucro antes dos impostos] 24% maior do que no período anterior. Em 2017, ele subiu 30% frente a 2016. Em 2018, nos primeiros nove meses do ano, melhoramos outros 24%. Em meio a esse processo, achamos nosso Oceano Azul.
Foi também uma resposta à concorrência, com as novas hamburguerias gourmetizadas e os food trucks?
Essa história começa lá em 2015. Era um momento difícil para nós, uma tempestade perfeita. O sorriso todo que você está vendo aqui (aponta para a camiseta) não estava tão presente assim. Um dos primeiros passos foi o lançamento da linha Signature de sanduíches. Pegamos o cliente que estava indo para uma hamburgueria chique gastar R$ 60 e oferecemos um produto até melhor, na nossa visão, por algo em torno de R$ 30.
Foi vantajoso para esse público e para nós, que conseguimos aumentar nosso tíquete médio. Depois lançamos sabores de McFlurry nos quiosques em parceria com nomes famosos como Laka, Kopenhagen e Ovomaltine. São marcas que o consumidor muitas vezes não tem dinheiro para consumir, diretamente. Por meio do McDonald’s, ele ganhou acesso a esse luxo.
Hoje, nosso cliente não deixa de ir a uma hamburgueria mais chique, como o Madero, mas vai com uma frequência menor. Ele também vai provar coisas diferentes no Outback e mesmo nos meus concorrentes como o Burger King ou o Subway, até para poder comparar. Existe compartilhamento, mas temos o maior número de visitas.
Os concorrentes podem até ter mais restaurantes do que nós, em alguns casos, mas para chegar ao meu faturamento você tem de somar o segundo colocado, o terceiro, o quarto, o quinto e o sexto.
É o processo que chamamos de McEvolution, ou seja, uma marca que está evoluindo ao longo do tempo. Em cima desse movimento, criamos então três grandes pilares para essa estratégia: primeiro, a forma personalizada de atendimento ao cliente, e aí entra a “cooltura” de serviços. Depois, a modernização do ponto de venda e a inovação constante do cardápio.
O que está sendo alterado dentro dos restaurantes?
Costumo dizer que nada é verdade no McDonald’s até que aconteça dentro do restaurante. Então estamos passando por um processo de modernização das lojas que inclui uma nova arquitetura, novo mobiliário, autoatendimento via totens, menu digital e mesas interativas, sensíveis ao toque.
Esperamos adaptar toda a rede até o final do ano que vem. O objetivo é nos aproximarmos dos desejos do Sr. Cliente, que quer controlar muito mais a sua jornada. O nosso aplicativo, que já tem mais de 8 milhões de downloads, tem um papel importante nisso. Inclusive por permitir o delivery, algo que vai se tornar bem relevante para a gente no futuro.
E no caso do cardápio, como foi a adaptação a essa nova realidade?
A diferença do McDonald’s para os concorrentes — e eu respeito todos eles, inclusive o carrinho de cachorro-quente, o pastel do japonês, o sanduba da esquina — é que temos soluções para diferentes gostos e bolsos. Quando eu falo da linha Signature, é para quem está disposto a pagar R$ 30.
Se você quiser pagar R$ 20, só no McDonald’s você tem o legítimo Big Mac. Tem por aí o Big Xing, o Big Ling, mas só aqui é o verdadeiro. Temos produtos para a faixa dos R$ 6. A gente tem uma casquinha de sorvete que, na promoção, custa R$ 1,50. Só aqui você encontra esse equilíbrio.
Como é a pesquisa para o desenvolvimento de novos pratos aqui no Brasil?
É muito forte. Um exemplo é o Cheddar McMelt, que foi criado aqui no Brasil e faz um tremendo sucesso nos outros países, quando está disponível. Lançamos agora o McVeggie. Para esse produto, a gente testou como matéria-prima para o “hambúrguer” a quinoa, a soja, uma composição de vegetais e até grão-de-bico.
No final, o que funcionou melhor foi o queijo coalho. A gente deu uma apimentadinha com pimenta biquinho e houve uma identificação muito grande do público com o sabor. Tudo isso só vem com muita pesquisa.
Redes de fast-food são acusadas de fazer mal à saúde, uma campanha que ganhou força com o filme Super Size Me (2014). O McDonald’s ainda tenta se transformar em uma rede “saudável” ou o foco está no “gostoso”?
Eu falo em saudabilidade em minhas palestras e as pessoas costumam brincar: “Opa, esse é mesmo o McDonald’s?”. Sim, saudabilidade é o que não falta aqui. O Big Mac é o melhor exemplo disso. Ele tem várias razões para ser o sanduíche mais vendido do mundo. Uma delas é ser muito saboroso. Mas também é equilibrado: tem 500 calorias.
Lembrando que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), você deve consumir até 2 mil calorias por dia. Eu, por exemplo, como no McDonald’s pelo menos três vezes por semana. Peço meus sanduíches favoritos e, em um desses pedidos, incluo minhas McFritas. Como carboidrato nem sempre é o que quero consumir e as frituras não deveriam ser algo de todos os dias, nas outras vezes troco as batatas por uma salada.
Quem gosta de salada vai ao McDonald’s?
Acho que ninguém acorda de manhã com vontade de comer uma salada e pensa no
McDonald’s como a primeira opção. Mas a gente tem salada. Aliás, temos cinco tipos de salada. A opção está lá. Tentamos estar um passo à frente nessa discussão sobre saúde. Estamos sempre diminuindo o sódio, a gordura trans não faz mais parte dos nossos produtos, assim por diante.
Fazemos isso não para atender a eventuais restrições impostas pelo governo, mas, antes disso, por uma demanda legítima da sociedade. E veja que o consumo de fast-food não tem relação com a questão da obesidade. Estudos do Ministério da Saúde mostram que o maior nível de obesidade no Brasil está no Acre. Sabe quantos restaurantes temos lá? Nenhum.
O McDonald’s é o maior empregador de jovens do Brasil. Como preparar essa turma para o mercado de trabalho?
Cerca de 90% dos nossos funcionários tem entre 18 e 25 anos. É uma tremenda responsabilidade. Muitas vezes nosso gerentes acabam fazendo uma função social, quase paternal ou maternal, porque alguma família não ensinou um desses garotos a escovar os dentes.
Então temos de oferecer treinamento adequado para isso. Celebramos até quando os funcionários saem da empresa. Explico: dizemos com orgulho que somos a segunda marca mais valiosa do varejo mundial.
A primeira é a Amazon, que foi criada por um ex-funcionário do McDonald’s. O Jeff Bezos [fundador da empresa] fala muito bem de sua experiência conosco. Diz que fomos uma grande escola, onde ele aprendeu trabalho em equipe, disciplina e processos definidos.
A empresa costuma ser alvo de ações trabalhistas devido a questões como trabalho intermitente. Até que ponto a reforma trabalhista impacta nesse quadro?
No caso da reforma, ainda não percebemos muitas alterações. Já faz alguns anos que temos uma escala de trabalho divulgada dez dias antes de começar a vigorar. A legislação brasileira era um pouco antiquada e, no meu ponto de vista, a reforma trabalhista a moderniza. O que se percebe, não só para a gente, é uma diminuição no número de processos trabalhistas.
O Brasil tinha 3% da força de trabalho mundial e 80% das ações trabalhistas. Tinha algo errado. Havia uma verdadeira indústria, que levava as pessoas a entrarem com ações mesmo quando não era o caso, porque não havia nenhum risco. A reforma vem deixar as coisas um pouco mais sérias.
Mais de 60% das lojas no Brasil são operadas pela Arcos Dorados. Como é o relacionamento com os franqueados responsáveis pelas demais unidades?
Um ponto importante é que a maior parte desses franqueados tem uma experiência enorme, de dez, 20, às vezes 30 anos à frente de suas lojas. Eu mesmo, que estou há sete anos na empresa, ligo para no mínimo três franqueados antes de tomar uma decisão estratégica. Outro fator é que hoje está ocorrendo um processo sucessório nessas unidades. Muitos franqueados estão colocando seus filhos para tocar a operação.
Será a primeira mudança de gerações de grande escala no Brasil; nos EUA, os franqueados já estão na terceira ou quarta geração. Uma das minhas maiores responsabilidades hoje é garantir que essa sucessão seja feita de modo correto. Temos um grande programa de treinamento para essa segunda geração em nossa universidade corporativa, inclusive com um MBA. São nove meses de treinamento, onde o candidato também passa por todos os cargos dentro de uma loja. E ele pode ou não ser aprovado nesse processo. Não é algo automático. Ele precisa mostrar a que veio.
Muitos interessados não conseguem virar franqueados do McDonald’s. Isso não limita a expansão?
Quando decidimos franquear alguma operação, a razão é estratégica. Em regiões remotas do país, um franqueado é mais eficiente na operação, principalmente no acesso mais barato aos fornecedores locais. Essa expansão acompanha o ritmo da economia. Infelizmente, o Brasil não teve um cenário virtuoso nos últimos anos. Por consequência, não focamos no crescimento.
Em vez de abrir centenas de restaurantes por ano, abrimos algumas dezenas. A prioridade é dada para quem já é franqueado do sistema, que são pessoas que querem crescer e estão capitalizadas. Até por isso, não existe muita necessidade da entrada de novos parceiros. Ainda assim, neste ano tivemos dois novos franqueados entrando no sistema. Era algo que não acontecia há 17 anos.
O McDonald’s é alvo frequente de fake news. Como reagir a boatos como a “carne de minhoca”?
A primeira coisa que aconteceu quando eu comecei a trabalhar no McDonald’s foi que a minha sogra, dona Dalmira, veio me perguntar se o hambúrguer era de minhoca (risos). Daí vem a importância de processos de transparência.
Criamos um programa chamado Portas Abertas, no qual convidamos os clientes a entrar nas nossas cozinhas. Mostramos nossos procedimentos, nosso cuidado com a segurança alimentar e com a origem do produto.
O cliente pode até fazer o seu próprio Big Mac. Aí ele percebe que o tomate é tomate, que o ovo é ovo, e que a carne é 100% bovina. Só em 2018, mais de 2 milhões de pessoas passaram por nossas cozinhas. Para nós, a melhor forma de enfrentar a contrainformação é dando a informação correta.
O que tira o sorriso de seu rosto?
Tem uma coisa que me deixa inconformado. No dia de hoje, deveremos receber umas 30 reclamações de clientes. Alguém poderia dizer que, comparado aos 2 milhões de clientes diários, esse seria um número muito baixo. Eu não concordo. Não se trata de percentuais.
O cliente não ficou 100% satisfeito com o McDonald’s, e é isso que me interessa. Precisamos lutar para melhorar esse número, porque não dá para ficar feliz com isso.