A maior empresa de restaurantes dos Estados Unidos abandonou o Quarteirão com carne congelada em suas 14.000 unidades americanas

Nova York – Faz mais de 60 anos desde que o empresário Ray Croc lançou as bases que fizeram da  rede de lanchonetes McDonald’s um fenômeno. Eles incluem combos promocionais, processos padronizados e ingredientes industrializados – como batatas cortadas de fábrica e hambúrgueres congelados. As batatas continuam as mesmas de sempre, mas a companhia lançou nos Estados Unidos seu primeiro sanduíche feito com carne fresca – uma nova versão do bom e velho Quarteirão.

O produto já vinha sendo testado aos poucos desde 2016, mas passou a ser vendido em larga escala em março deste ano, quando foi disponibilizado em cerca de 3.500 localidades no país. No início de maio o produto ficou disponível em todas as 14.000 unidades do país.

EXAME provou o sanduíche em Nova York, onde chegou em abril. Promoções no aplicativo do McDonald’s convidam os clientes a experimentar o hambúrguer por 2 dólares (o preço original é pouco mais de 4). “Pegue um guardanapo. Você vai precisar”, diz um dos cartazes promocionais. De fato, o Quarteirão fresco é mais suculento e saboroso que o sanduíche congelado, com um sabor que até lembra o de hamburguerias bem mais caras.

O McDonald’s afirma que a velocidade da rede não será comprometida, uma vez que os hambúrgueres frescos cozinham mais rápido que os congelados. Se tudo der certo, um sanduíche leva cerca de 2 minutos para ser preparado.

Além do Quarteirão (chamado de quarter pounder nos Estados Unidos), também passaram a levar hambúrgueres frescos os sanduíches premium da marca, da linha Signature. É a mesma linha que traz os lanches da Copa no Brasil — embora os hambúrgueres frescos ainda não tenham previsão de chegada no mercado brasileiro.

“A mudança para a carne fresca nos hambúrgueres do Quarteirão é a mais significativa em nosso sistema de restaurantes e operações desde o All Day Breakfast [linha de café da manhã lançada em 2015]”, disse o presidente do McDonald’s nos Estados Unidos, Chris Kempczinski, na nota de lançamento em março.

Atrás da concorrência

O McDonald’s não é, nem de perto, a primeira rede de fast food a testar os hambúrgueres frescos. O processo, na verdade, é a grande marca registrada do concorrente Wendy’s, que usa carne fresca nos sanduíches desde sua fundação em 1969.

O Wendy’s — que abriu suas primeiras filiais no Brasil em 2017 — é a quarta maior rede de fast food dos Estados Unidos. O McDonald’s lidera, seguido pela rede de café Starbucks e pelo Subway, que vende sanduíches personalizados pelo cliente.

Dados da consultoria Mintel mostram que 74% dos consumidores estão interessados em comer hambúrgueres feitos com carne fresca, e que a maioria dos clientes aceitaria pagar mais por um produto desse tipo.

“Os consumidores associam comida fresca com saúde e qualidade, ainda que provavelmente não percebam os novos hambúrgueres como sendo saudáveis”, diz Caleb Bryant, especialista em foodservice da consultoria Mintel.

A mudança exige adaptação na logística das unidades, já que o hambúrguer não-congelado é mais frágil e suscetível a contaminação.

Há alguns episódios problemáticos na combinação fast food e produtos frescos: no Chipotle, rede de comida mexicana que trabalha com uma grande gama de ingredientes frescos, episódios de contaminação levaram à queda do fundador e então presidente Steve Ells no ano passado.

Outro que sentiu na pele a complexidade logística foi o KFC, rede que vende produtos à base de frango. Em fevereiro deste ano, a empresas teve de paralisar a operação em mais de 500 das 900 unidades no Reino Unido porque um novo fornecedor, cujo contrato havia sido fechado meses antes, não conseguiu entregar carne suficiente.

Em 2016, o presidente do McDonald’s, Steve Easterbrook, disse que não existia um fornecedor de carne fresca capaz de suprir a demanda da marca nos Estados Unidos, e por isso a mudança teria de ser feita de forma gradual.

Neste ano, em entrevista ao site Business Insider após o lançamento do novo Quarteirão, Easterbrook disse que “é possível” que os outros hambúrgueres também passem a levar carne fresca, mas que a empresa ainda está fazendo testes.

“A rede de fornecedores de todos esses grandes restaurantes é extremamente otimizada, e qualquer grande mudança requer muito planejamento”, diz Bryant, da Mintel. O especialista acredita que é justamente o tamanho da cadeia do McDonald’s que o fez demorar a implementar os produtos com carne fresca e lembra que o Wendy’s já vêm aprimorando essa logística há quatro décadas. “O Wendy’s já organizou sua rede de fornecedores para esse fim.”

Desde o anúncio da carne fresca do McDonald’s, o Wendy’s vem fazendo uma série de provocações nas redes sociais. Uma sequência de postagens no Twitter da empresa lembrava que os demais sanduíches do Mc, como o Big Mac, continuariam sendo feitos com carne congelada. Em um comercial no Super Bowl, final do campeonato de futebol americano e um dos eventos com maior audiência no mundo, o Wendy’s brincava que “o iceberg que afundou o Titanic também era congelado”, fazendo referência ao lendário acidente com o navio britânico em 1912.

Em nota a EXAME, o McDonald’s afirmou que “está sempre evoluindo” e “trabalhando de perto” com os fornecedores no processo de transição para a carne fresca, e que “elevou os já existentes padrões de qualidade da comida e procedimentos de segurança”. Entre as mudanças, os fornecedores passaram a utilizar novas geladeiras especializadas para manter a temperatura da carne ainda que sem o congelamento. A empresa afirma que é o mesmo tipo de parceria que vem sendo realizada na transição para os ovos cage-free (com galinhas que não são criadas em gaiolas) e no uso de manteiga ao invés de margarina nos produtos de café da manhã.

Conquistando os millenials

A novidade da carne fresca é mais uma na série de tentativas do McDonald’s para gradualmente deixar para trás a imagem de comida de baixa qualidade. Desde que Steve Easterbrook foi nomeado presidente, em 2015, a empresa vem tentando promover projetos para diversificar e melhorar o cardápio, como a opção de saladas, café da manhã e frango sem hormônios.

O desafio é agradar consumidores cada vez mais preocupados com alimentação saudável, variedade e qualidade da comida. Uma pesquisa de 2014 da Mintel mostrou que 42% dos millenials (de idades entre 20 e 37 anos) não confiam em grandes corporações alimentícias, uma taxa que é de apenas 18% entre os não-millennials.

“O bom preço e a conveniência ainda vão continuar sendo muito importantes. Mas só isso não é mais suficiente”, diz Patricia Smith, especialista em nutrição e mercados de fast food na Universidade de Michigan-Dearborn. “As redes de fast food não querem parecer todas iguais. Por isso elas vêm tentando desenvolver produtos que as diferenciem das demais e atraiam a fidelidade do cliente.”

O McDonald’s terminou o ano passado com o menor faturamento anual desde 2009, de 22,8 bilhões de dólares. De olho nas mudanças do mercado, a rede lançou em 2017 um plano de crescimento batizado de “Velocidade”, cujos três pilares são “manter”, “reconquistar” e “converter”. O McDonald’s afirma querer manter os clientes já fiéis, expandindo sua área de atuação, enquanto quer reconquistar os clientes que perdeu. Para chegar lá, quanto mais carne com gosto de carne, melhor.

Fonte: Exame

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