Por que a incorporadora MRV ganha tanto dinheiro, enquanto a maioria de seus concorrentes luta para se manter
Um imenso clarão foi aberto nos últimos meses em Pirituba, bairro de classe média na zona norte de São Paulo. Nesse terreno, que tem 169 000 metros quadrados — tamanho equivalente a cerca de 20 campos de futebol —, vai ser construí-do um dos maiores empreendimentos imobiliários do país. O plano é que ele tenha 7 300 apartamentos, de 37 a 44 metros quadrados, divididos em 48 prédios, além de uma creche e uma base da Polícia Militar. Estima-se que 25 000 pessoas morarão ali quando as obras terminarem.
Quem acompanha o momento atual do mercado imobiliário, que vive uma de suas piores crises no Brasil, pode achar que começar algo desse tamanho justamente agora não faz o menor sentido. Milhares de imóveis novinhos estão encalhados nas grandes cidades do país porque faltam interessados com condições de comprá-los. Pirituba é quase uma metáfora do que acontece no setor imobiliário brasileiro — enquanto todos pisam no freio, a incorporadora mineira MRV pisa no acelerador.
Fundada em 1979 pelo engenheiro Rubens Menin, a MRV se tornou, na atual crise que assola o setor, a maior incorporadora do país. Vale, na bolsa, 6,5 bilhões de reais — 1,5 bilhão a mais que a badalada Cyrela e duas vezes a Eztec, terceira da lista. Em 2016, seu lucro aumentou, chegou a 557 milhões de reais e foi, de longe, o maior do setor. No mesmo período, 11 das 17 incorporadoras de capital aberto tiveram prejuízo, segundo um levantamento da empresa de informações financeiras Economatica. Entre as empresas que estão no azul, nenhuma conseguiu aumentar seu lucro no ano passado. E, aproveitando-se da crise, a companhia gastou 41 bilhões de reais na compra de terrenos, volume recorde em sua história. É suficiente para dez anos de lançamentos se o ritmo atual for mantido.
Parte dos projetos já começou. Além do megaempreendimento em Pirituba, a MRV tem três grandes obras em andamento no país — uma delas fica em Canoas, no Rio Grande do Sul, onde o plano é construir 4 160 apartamentos. “Vamos lançar aos poucos, à medida que percebermos que há demanda”, diz Eduardo Fischer, um dos copresidentes da MRV (o comando é dividido com Rafael Menin, filho de Rubens; Fischer é sobrinho do fundador). Segundo Fischer, a meta é construir 60 000 unidades por ano nos próximos anos, 50% mais do que a empresa fez em 2016.
O que faz uma incorporadora ganhar dinheiro no mercado de baixa renda é, principalmente, quanto ela gasta para construir. Parece óbvio, mas foi aí que muitas empresas, especialmente as voltadas para as classes média e alta, patinaram em sua tentativa de crescer na baixa renda. No segmento de alto padrão, a localização pode determinar o sucesso ou o fracasso de um imóvel.
Um prédio novo com alguma área de lazer e três vagas de garagem tem muito mais chance de ser vendido se for lançado na região dos Jardins, na zona oeste de São Paulo, onde faltam terrenos para esse tipo de empreendimento, do que no Morumbi, onde há dezenas de condomínios com essas características. Já os imóveis de baixa renda ficam nas periferias, e os interessados acabam olhando muito mais o preço do que a localização — acham que vale a pena mudar de bairro se, assim, conseguirem comprar uma casa.
A MRV adotou duas estratégias para manter os custos sob controle. Uma é fazer grandes obras, como a de Pirituba, e prédios padronizados, com os mesmos acabamentos (como portas e janelas), em qualquer lugar em que construir. Com isso, a empresa ganha escala, o que lhe dá mais poder de barganha com os fornecedores.
Outra é construir menos nas capitais e mais no interior do país, onde os terrenos costumam ser mais baratos e a concorrência é menor. “Também construí-mos em cidades próximas e, assim, aproveitamos os mesmos corretores e fornecedores. Até os gastos com marketing podem ser divididos”, diz Rafael Menin. Hoje, a empresa tem terrenos e obras em 144 cidades, como São Gonçalo, no Rio de Janeiro; e Araras, em São Paulo.
Um mercado de especialistas
Usando a figura imortalizada pelo filósofo Isaiah Berlin, a MRV é uma empresa “porco-espinho” — que só sabe fazer uma coisa, mas faz direito. A MRV sempre vendeu para a baixa renda. Seu alvo principal são os consumidores com renda familiar de 1 500 a 5 000 reais. No passado, esse público tinha acesso a financiamento em programas de estímulo à construção de moradias populares, como o do Banco Nacional da Habitação (BNH). A coisa mudou de patamar em 2009, quando o governo criou o Minha Casa, Minha Vida.
O programa oferece juros menores, menos burocracia na contratação de crédito imobiliário e, dependendo da faixa de renda, subsídios que podem chegar a 90% do valor dos apartamentos e das casas. A amplitude do programa mudou a cara dos imóveis de baixa renda. Em vez de predinhos modestos, começaram a ser lançados condomínios com área de lazer e, em alguns casos, piscinas. No início, a maioria das grandes incorporadoras entrou nesse mercado, mas, aos poucos, ficou claro que se trata de um nicho para especialistas — e mesmo os especialistas passaram por maus bocados. A Tenda, que hoje pertence à Gafisa e só constrói para a baixa renda, enfrentou graves dificuldades financeiras entre 2011 e 2014 e só foi saneada de fato há dois anos.
A MRV soube surfar a eufórica onda do mercado imobiliário dos anos 2000 sem grandes tombos. Conteve a ambição e não cresceu mais do que podia quando o mercado financeiro pedia crescimento acelerado. Não tentou competir com a Cyrela na alta renda. E fez poucos empreendimentos no segmento mais subsidiado pelo Minha Casa, Minha Vida, a chamada “faixa 1”, mais suscetível ao vaivém de Brasília e mais semelhante aos velhos programas assistencialistas do passado.
Recentemente, o governo reduziu os subsídios à faixa de menor renda, o que prejudicou uma das principais concorrentes da MRV, a Direcional, especializada nesse segmento (procurada, a Direcional não deu entrevista, mas executivos do setor dizem que a empresa está mudando para vender mais para quem ganha acima de 1 800 reais por mês). “A MRV continuou fazendo o que sabia e soube ser agressiva quando houve a oportunidade de expansão”, afirma Luiz Mauricio, analista do setor de construção civil do Bradesco.
Hoje, o maior risco para as incorporadoras que constroem para a baixa renda é haver mudanças nas regras de uso do FGTS, de onde saem os recursos para os financiamentos do Minha Casa, Minha Vida. Na verdade, as regras já vêm mudando. Os executivos da MRV criticaram, por exemplo, a decisão de permitir o saque, sem um teto de valor, de contas inativas do FGTS. “Pessoas de renda mais alta vão usar esses recursos para investir, e isso não beneficia o setor de construção, que é o objetivo do FGTS”, diz Rubens Menin.
Além disso, a concorrência já começa a aumentar. As incorporadoras Cury, que tem a Cyrela como sócia, e o Grupo Rezek pretendem lançar no segundo semestre um empreendimento com 15 600 unidades na zona sul de São Paulo. A Tenda, hoje revigorada, fez 41 lançamentos em 2016 em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Para o comando da MRV, porém, há espaço para todo mundo, especialmente quando a economia se recuperar de fato e o desemprego cair. Se o país e o setor imobiliário saírem do atoleiro em que se enfiaram, haverá muitos clarões como o de Pirituba espalhados pelo país.
Fonte: Exame